sexta-feira, 18 de maio de 2012

dia #61 - Carlos

Diante do impasse de mergulhar nos livros de Martín Kohan ou usar o pouquíssimo tempo livre que tenho com as obrigações da pós-graduação, perguntei-me, tendo em mãos Ciências Morais e Segundos Fora – as duas obras do escritor portenho que encontrei traduzidas para o português e à venda nas livrarias –, por que admiro tanto a literatura, o cinema e a música argentina?

O diálogo que a literatura argentina (não só ela, mas boa parte da literatura hispano-americana) mantém com a história, prova o quanto o passado é caro para os argentinos. É como se a literatura mantivesse as feridas do passado abertas na memória, causando desconforto, exigindo reparo e cura; principalmente as feridas provocadas num passado não tão distante. É uma literatura que tem um compromisso enorme com a história, que fala do presente, mas não permite que nos esqueçamos do passado, acabando por interferir em nosso posicionamento na construção de novas perspectivas para o futuro.

Diálogo parecido é mantido entre o cinema argentino e a história. O filme A história oficial, ganhador dos óscares de melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original, em 1986, fala por si. Mas longe de se limitar ao cinema político, a Argentina faz um cinema, que, mesmo quando atende a demandas mercadológicas e modismos estéticos que tornem seus filmes atraentes para ingressarem nos grandes circuitos, nos convida a pensar e dialogar com o mundo que nos rodeia. Um exemplo recente é o romântico Medianeras.

Penso que esses diálogos todos entre a história e as artes refletem menos temores ao lidarmos com os temas que nos angustiam e desagradam; encorajam-nos a incluir na pauta do dia as derrotas que a maioria de nós, latino-americanos, não quer enxergar, resultando nessa felicidade incapaz de ultrapassar os noventa minutos de uma partida de futebol.

Penso que aí reside a força da arte argentina: nos diálogos possíveis entre aquilo que atormenta e transforma. Como num tango de Piazzolla, em que se atinge o limiar entre o sagrado e o profano, a angústia e o gozo sem fim.

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